Resumo: O objetivo é discorrer sobre a Fotografia como documento primário de Performance nas artes visuais através do termo performativo apropriado do filósofo J. L. Austin. Tal apropriação e uso permite não apenas a realização de uma revisão sobre a produção dos registros que acompanharam as Performances a partir dos anos 1960, bem como possibilita pensar na ampliação da noção de Performance no campo das artes visuais.
"Via de regra, o acesso que temos às Performances nas artes visuais tem sido através de sua documentação fotográfica. Como artistas, estudantes, historiadores ou teóricos da arte, nosso repertório sobre o tema é construído a partir dessa série de registros. Essa constatação endereçou-me a uma reflexão sobre a relação entre Performance nas arte visuais e Fotografia, perguntando-me se toda a documentação fotográfica seria somente registro, remanescente de ações realizadas num tempo anterior e num espaço específico? Ou seja, se seriam somente uma fonte secundária que descreve o ocorrido de uma ação? Ou se poderíamos pensar como sendo parte constitutiva e comissurada às Performances e, por conseguinte, começar a vislumbrar esses testemunhos como fonte primária desses procedimentos?
Os questionamentos prosseguem, pois além da relação entre Performance nas artes visuais e sua documentação fotográfica, confrontava-me com uma outra instância, que é tão instigante e provocadora quanto, que é a relação entre a documentação fotográfica e a audiência. Sobretudo, porque existe uma quantidade infindável de ações performáticas nas artes visuais que são realizadas sem a presença de público, elas acontecem em âmbitos privados, ou no espaço público, sem
nenhum tipo de sinalização indicando que o que ali está ocorrendo se trata de uma ação artística.
Na maioria das vezes as fotografias de Performances são vistas como documentos secundários: há uma ação que antecede e que é apresentada para uma audiência, ao vivo, e o documento visual (ou audiovisual) é secundário. É um registro
suplementar dessa ação. Essa é, sem dúvida, a seqüência processual que habita o nosso imaginário.
Todavia, conforme assinalei anteriormente, temos uma infinidade de ações performáticas no campo das artes visuais que ocorrem sem a presença do público. A única testemunha é a câmera registrando os gestos do artista. Poderíamos,
inclusive, estender isto para praticamente toda a produção da primeira geração de vídeos, realizada dessa forma com o artista performando diante da câmera. E uma quantidade de stills desses vídeos estão impressos em livros e catálogos permitindo o acesso indeterminado a essas Performances. Impossível, portanto, nesse caso não aceitar a Fotografia como documento primário da Performance, uma vez que é o resultado direto de uma ação orientada para esse meio, e a sua audiência se dará a partir do mesmo. Vale dizer: a Performance só é acessível ao público a partir de sua documentação. Ou ainda, somente através da sua documentação que a Performance existe como Performance.
É importante ressaltar, por exemplo, que ainda que muitas das documentações de Performances dos anos 1960 e 1970 não tenham sido planejadas ou concebidas como tal, há também neste mesmo período artistas que, interessados em
preservar seus trabalhos, rapidamente começaram a encenar para as câmeras (tanto fotográficas quanto de vídeos), igualmente como faziam na presença do público. São muitos os exemplos em que o artista realizava cuidadosamente a
Performance fotografando-a ou filmando-a, selecionando posteriormente imagens dessas ações para o catálogo das exposições. Que é seguramente o que permanece para ser visto depois. Acerca disso, vale aqui citar, por exemplo, a artista
Gina Pane que não se privava de incorporar a fotografia em suas ações, enfatizando que: “ela (a fotografia) cria o que o público verá depois” (O’DELL, 1977, p.77).
Tanto os artistas que decidem documentar suas performances que foram realizadas na presença de uma audiência, como aqueles que realizam performances diretamente para uma câmera, assumem a responsabilidade com o público, que não é somente aquele, diríamos, tradicionalmente estabelecido como inicial, ou seja, aquele que assiste o evento ao vivo, mas toda uma sorte de leitores, espectadores que estarão acessando continuamente essas obras.
Alguns exemplos tornam essas questões mais claras e eu começo por citar um artista chamado Amilcar Packer (1972). Em meados dos 1990 Amilcar Packer surge na cena artística brasileira apresentando uma série de stills de
videoperformances que o mesmo realizava em diferentes aposentos de sua casa, ou algum outro lugar escolhido, todos sem a presença de público. Como testemunha apenas a câmera de vídeo registrando os repetidos gestos que compunham suas Performances e que, posteriormente, transformados em stills, eram disponibilizados ao público de uma exposição. Nomeados pelo próprio artista como sendo ações orientadas para fotografia tais procedimentos deixavam explícitos que a fotografia era o meio pela qual a recepção se daria. Dessa forma, extraía fragmentos dos vídeos que registravam suas ações, saturava-lhes a cor e a textura, e potencializandos-os por fonte de luz artificial, extrapolava o que poderia ser considerado apenas um registro."
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Packer, Amilcar Sem Título , 2000 frame de vídeo nº 37 100 x 120 cm |
"O trabalho de Amilcar Packer apresenta fotografias retiradas da TV, feitas a partir dos registros em vídeo de performances realizadas em ambientes construídos. Tratam-se basicamente de ações nas quais o corpo do artista interage com peças de roupa, móveis, entre outros objetos, e/ou com o espaço determinado. As cores saturadas, resultado da somatória e do acúmulo das diversas etapas do processo de construção da imagem, apontam para a perspectiva sobre a qual o artista se debruça. Trata-se essencialmente de um questionamento sobre o ser humano enquanto ser histórico-cultural-psicológico, e sobre as diversas estruturas que o circundam".
Ricardo Trevisan
(http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_criticas&cd_verbete=1037&cd_item=15&cd_idioma=28555)
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