Texto de Caio Riscado
Revisão de Marcio Honorio de Godoy
© 2014 eRevista Performatus e o autor
Curitiba, 24 de maio de 2014, sede do Água Viva Concentrado Artístico, segunda edição da Transborda – Mostra de Performance [1]. Faz frio e o performer Ricardo Marinelli [2] está nu, deitado no chão, em posição fetal, com o corpo recolhido contra a parede da sala. Dessa vez Marinelli não usa roupa, nem maquiagem, nem peruca, nem meia-calça, nem salto alto, nem esmalte, elementos que o acompanharam em performances anteriores. De cabeça raspada, barba feita, o performer tem a genitália, a visão, a boca e algumas articulações do seu corpo aprisionadas por camadas de fita adesiva. Nas costas, um quadrado de fita adesiva impede que a recepção veja a única tatuagem do performer. Faz frio e o performer Ricardo Marinelli está nu mas trajando aquilo que chamamos de corpo.
Um corpo que sem o apoio das mãos, sem a base dos dedos dos pés e sem a visão, dança pelo espaço por meio de curtos movimentos espasmódicos. O performer procura apoio nas paredes, no chão e nas pernas daqueles que o observam. Na medida em que se desloca, sua respiração fica ofegante – podemos ouvir a fricção do ar em contato com a fita adesiva que sufoca sua boca. As narinas de Marinelli parecem fazer mais esforço do que o comum, reverberando em seu corpo as dificuldades geradas pelo aprisionamento voluntário de alguns dos seus equipamentos corpóreos.
O corpo sem genitália, sem pelos, sem as próteses de gênero sistematicamente associadas ao masculino, dança com precisão o/no micro limite de espaço-tempo que se faz presente entre a ação de tentativa e sua respectiva falha. Muitas são as imagens. A criança tentando dar os seus primeiros passos, alguém que se movimenta pela primeira vez depois de um coma, uma absurda máquina de lavar descontrolada, uma cadela machucada, a animalização do humano. O corpo sem seus apoios e referências habituais (re)conduz o olhar da recepção, pois desnaturaliza os movimentos tidos como comuns. Entre idas e vindas do chão ao plano médio, ou alto, o performer busca o equilíbrio naquilo que justamente está ausente: ele quer ver, quer tocar, lamber, comer, apoiar, ficar de pé, mas não pode.
O corpo sem órgãos de Ricardo Marinelli denuncia o sistema de monitoramento e setorização da heteronorma. Mesmo sem genitália, sem visão, sem boca e mãos, ainda lhe resta uma categoria arraigada pelo plano social dominante. Mesmo distanciado da zona dos “gêneros inteligíveis”, Marinelli não está isento de ser classificado, julgado e nomeado. Marinelli não é homem e nem mulher, não é gay, não é lésbica, não é travesti, não é bicho, é bizarra, é monstro. A bizarrice (des)regulada do corpo em movimento toma conta da pequena sala de ensaio onde a performance é exibida e a monstra Marinelli dança a experiência do corpo abjeto, temido e recusado com repugnância.
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Performance: Ricardo Marinelli. Fotografia de Matias Cds |