quarta-feira, 15 de abril de 2015

A arte pós-agora

Por Andréia Silva e Natália Martins

Tudo começou com uma letra de música. Inspirado em 'Diariamente', canção composta por Nando Reis e Marisa Monte, o artista plástico paulista Felipe Bittencourt deu início a um autodesafio: durante um ano, ele desenharia performances em uma folha de papel, mas sem concretizá-las. E assim o fez.
De 8 de dezembro de 2010 a 7 de dezembro de 2011, Felipe empenhou-se em desenhar um projeto de performance até as 10h do mesmo dia; depois, postava no Flickr a proposta desenhada.

Já no início da ideia o artista ganhou um “impulsionador”, como o próprio define. Depois de duas semanas de projeto, ele recebeu uma foto de estudantes do Chile realizando a sua sugestão de performance do segundo dia. Tal feito levou Felipe a ativar questões de autoria e compartilhamento. Afinal, o autor é quem realiza ou é quem escreve?

“No momento em que produzo um trabalho que fornece somente ideias, é provável que talvez alguém as produza. E produziram. É pensando nesses novos caminhos que procuro pensar a performance. Um deles é a questão de autoria. Se eu projeto e outra pessoa faz, de quem é o trabalho? Essa questão me interessa e agrada muito”, conta ele.

Após uma exposição na Galeria Baró, em 2011, Felipe decidiu reunir seus desenhos em um livro,Performance Diária, que ele lança pela editora nVersos.

“Sempre trabalho com autodesafios. Atualmente, pesquiso formas diferentes de discutir, pensar e produzir performances. No caso desta publicação, pensei muito em relação ao título que ela poderia ter. Performance Diária dita um pouco deste processo. A performance em si era desenhar todos os dias, e não os desenhos. Aqueles são ‘apenas’ projetos. Mas sei, sem dúvidas, que esses desenhos, naturalmente, ditaram meus estados atuais e uma espécie de mapeamento emocional”, completa Felipe.

Para o projeto de desenhar performances, Felipe não só se inspirou na música 'Diariamente' como também dialogou com vários artistas – performers ou não – e bebeu na fonte de referências da cultura pop, desenhando ideias que homenageiam ou ironizam, por exemplo, o artista belga Magritte, a performer Marina Abramovic e até mesmo o ator Tom Hanks, entre outros.



Para Magritte, famoso pelas obras provocativas e com objetos cotidianos, Felipe criou a performance chamada Isto Não É Uma Ilusão, inspirada no quadro Ceci n’est pas une pipe, com a imagem de um cachimbo e os dizeres “Isto não é um cachimbo”. Na performance, o performer deve destruir um cachimbo com um taco de beisebol.
Embora misture fotografia e desenho, o trabalho de Felipe é quase totalmente baseado nas performances.

 “Penso em formas de se discutir performance em tempos onde ela já é uma linguagem tão abrangente no campo das artes visuais”, diz ele, que chama sua arte de “arte pós-agora”.

“O termo é uma brincadeira que, a princípio, criei para mim mesmo. Seria um termo pessoal e, novamente, desafiador. Quero levar meu trabalho a patamares cada vez maiores de desafio e discussões artísticas”, diz Felipe.

Em 2011, Felipe foi selecionado para participar do Red Bull House of Art, uma das grandes vitrines para novos artistas, onde expôs seus desenhos e criou outros projetos paralelos.
Um deles foi uma performance feita na Casa Contemporânea, em São Paulo, em que ele ‘interage’ com um urso de pelúcia em escala humana. O urso acompanha Felipe em algumas fotos do artista espalhadas pela web e é do tipo que corresponde bem à famosa expressão “abraço de urso”.
“Uma vez me propuseram performar em uma exposição, na Casa Contemporânea, em que pensava em me igualar a um objeto. Pensei no bicho de pelúcia como um objeto que tenta ser bicho. Eu sou bicho e tentei ser objeto e, assim, ficamos lado a lado, imóveis, pelo maior tempo que eu conseguisse”, conta Felipe.

Mas o relacionamento com o urso durou mais do que uma performance, tanto que, depois, o artista realizou outro trabalho com o bichinho, o “Lições Para Pessoas e Coisas”, no qual apresentava situações violentas com o urso e, em seguida, as replicava com seu corpo, pensando num paralelo entre o sutil e lúdico versus agressivo e físico.

Desde criança tendo contato com música, dança e, depois, com o teatro, Felipe conheceu a performance em sua graduação e viu nela o potencial de unir os conhecimentos que tinha até então. Ela entrou na vida do artista como uma linguagem que conseguia comungar diversas manifestações onde o corpo, sendo ou não o do artista, é, além de suporte, o próprio trabalho.

Entre um projeto e outro, alguns ao mesmo tempo, ele já escolheu a sua frase-chave: “Para todas as coisas, dicionário. Para que fiquem prontas, paciência".


Fonte:
http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/47067

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