Uma transição nem sempre é apenas uma nova performatividade
de gênero: é também diáspora, nos seus diversos sentidos. Trans significa além, mas
pensando em contextos micro, o desvio de gênero está, na maioria dos casos,
relacionado à partida. Digo, desde a partida de casa, por exemplo... O meu corpo que não
coube mais no estado onde eu nasci e morei por algum tempo – Piauí – nem na
cidade onde eu me criei – Salvador –, almejou o movimento de retirada. O que me leva a pensar que assim
como os corpos dos meus ancestrais piauienses e baianos buscaram outros
territórios por uma nova perspectiva de vida, eu também, por motivos semelhantes e outros também o fiz.
Deste modo, pensar a complexidade da ideia de pertencimento identitário é pensar que o movimento de uma travesti nordestina deixar suas cidades e famílias diz respeito tanto a uma questão de gênero quanto a uma questão étnica/territorial. A geopolítica do corpo nordestino trans remete a precariedades multifacetadas, tão caras à sua ancestralidade que fica difícil assinalar um processo de migração de forma homogênea. Então o corpo que migra ganha camadas que são talvez do estado híbrido.
Meu próximo ato poético eu não posso mais chamá-lo senão de retorno ao deslocamento. Nesses tempos da guerra fragmentada, certas frequências em mim careceram de escuta e o sujeito que em mim almeja as revoluções precisa agora de raiz. Estou falando, mesmo que não pareça, do movimento de ancestralidade como prática de autoconhecimento e de reconhecimento. Corrente Milk, ou o leite maldito que escorre dos seios hormonizados, é uma gota de displicência que eu me darei a mim mesma, derrota de um racionalismo que quis, derrota de mim. Não, o giro decolonial, nem a filosofia da diferença, nem mesmo ação direta serão as minhas verdades e os meus motes de fé. Nem autodeclarar a contradição me isentaria de alguma forma de qualquer responsabilidade ética.
Hoje tenho as passagens compradas para a cidade em que eu
nasci: Corrente. Fica no sul do Piauí. Nessa pequena cidade, habitam tantas
frequências que me chamam e eu não sei definir, tantas pessoas que me constituem
enquanto ser fricção/poesia. Não me avexo para o que vier e te digo que na roça e no
sertão é onde se faz tanto transfeminismo que a sinhá nem imagina!
Retornar é mesmo um caminho impossível, mas sempre repetido. Que teu ato poético seja um deslocamento que encha tua boca de alegria flor mais bela do sertão
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